A luxação, em termos médicos, é definida como a “perda do contato articular”. Isto é, a separação de dois ossos que
costumam estar em íntimo e contínuo contato por meio de uma área lisa e deslizante, chamada de cartilagem. A luxação
do ombro ocorre quando uma força extrema supera os mecanismos estabilizadores (lábio, cápsula e manguito) e desloca a
cabeça do úmero para fora da glenóide. Chamamos de subluxação quando o úmero retorna à posição original sozinho após
o deslocamento. Essas circunstâncias podem ocasionar lesões dos tecidos. Na maioria das vezes, os danos serão no
lábio e nos ligamentos. Em pacientes acima dos 40 anos, além do lábio, os tendões do manguito rotador também
podem ser lesionados.
A luxação do ombro mais comum é a anterior. Nesse tipo, o trauma é normalmente com o ombro na posição de abdução e rotação externa, que nada mais é do que a posição de arremesso com o braço rodado para fora. Às vezes também pode ocorrer por uma tração do ombro para frente, como se o braço fosse puxado. E em muitos casos o paciente não se recorda ou não sabe como foi o trauma. Na luxação anterior, o úmero é deslocado para frente. Existe um outro tipo de luxação em que o úmero será deslocado para trás, chamada de luxação posterior. Ela é muito mais rara (menos de 10% dos casos de luxação) e ocorre geralmente após convulsões, choques elétricos ou acidentes automobilísticos em que o paciente encontrava-se com o braço esticado no volante e sofreu um trauma súbito.


Com novas luxações, os ligamentos vão se alongar cada vez mais e as lesões podem progredir para o osso. As lesões no osso, chamadas de lesão de Hill-Sachs e de Bankart ósseo, aumentam ainda mais a chance de uma nova luxação. Mais raramente, pode ocorrer a lesão dos ligamentos no úmero e não na glenóide, conhecida como lesão HAGL (humeral avulsion of glenoumeral ligaments).

As complicações variam de acordo com a gravidade do trauma, a idade em que ocorreu a primeira lesão, o número de
episódios, o tempo em que o ombro permaneceu luxado e se houve ou não lesão de tecidos associados, como o osso e
os tendões. Dentre os agravantes, os mais comuns são:
Luxação recidivante: novos deslocamentos podem ocorrer com maior facilidade. Em algumas pessoas,
a nova luxação acontece apenas durante o esporte. Em outros, pode ocorrer em atividades diárias ou até mesmo dormindo.
Lesões ósseas: fraturas ou impacções ósseas, que agravam a instabilidade e o quadro clínico,
podem ocorrer nas novas luxações ou mesmo na primeira incidência.
Lesão dos tendões do manguito rotador: a luxação pode acarretar lesão nos tendões do manguito
rotador, o que limita os movimentos do ombro. Isso ocorre com mais frequência em pacientes acima de 40 anos de idade.
Lesões neurológicas: lesões do nervo axilar ou do nervo musculocutâneo podem aparecer, o que vai
causar fraqueza e diminuição da sensibilidade de alguns músculos do paciente.
Artrose: a recorrência da luxação pode facilitar o desenvolvimento de artrose, isto é, de desgaste articular.


Ocorrido o deslocamento, o objetivo inicial é a redução do ombro – colocar o ombro no lugar. Isso deve ser feito
por um médico e apenas após avaliação clínica e radiográfica. Analgésicos, infiltrações ou mesmo anestesia podem ser
realizadas para diminuir a dor durante o procedimento. Após a redução, uma nova radiografia deve ser realizada para se
certificar de que o procedimento foi realizado de maneira correta. O paciente deve utilizar tipóia. O período de tempo
e o tipo de tipóia recomendados a ele serão determinados pelo médico, de acordo com a gravidade da luxação, a idade do
paciente e sua assiduidade na prática de atividade física. Exames subsidiários, como a ressonância nuclear magnética (RNM)
podem ser necessários para avaliar lesões associadas.
Em pacientes de menor demanda, de maior idade ou em casos de menor gravidade, o tratamento inicial será baseado no uso
da tipóia e no uso de analgésicos e antiinflamatórios, seguido pela adequada reabilitação. Àqueles que apresentam grande
frouxidão ligamentar sem lesão do lábio ou ligamentos, o tratamento não operatório é o mais indicado e a reabilitação
deve ter um período mais longo.
A reabilitação, realizada tradicionalmente através de fisioterapia, tem diversos objetivos. O paciente deve ser orientado
a evitar posições de risco para novas luxações. Gelo pode ser aplicado para diminuir o processo inflamatório. Inicialmente,
o tratamento foca na recuperação da mobilidade do ombro. Em seguida, deve centralizar no fortalecimento muscular, com
especial atenção aos músculos que formam os tendões do manguito rotador e aos músculos estabilizadores da escápula.
A reabilitação pode ser necessária durante um ou dois meses. Depois dessa fase, o indivíduo precisa continuar o
fortalecimento muscular - com um treinamento domiciliar ou em academia, mas sempre com muita atenção para evitar
movimentos que podem causar a luxação ou subluxação. Esse tratamento pode auxiliar na estabilização do ombro em muitos casos.
Indivíduos com maior risco de luxação (jovens, esportistas ou com demanda elevada) e aqueles que possuem lesões do lábio
superior, lesões ósseas associadas, lesões dos tendões do manguito rotador ou em indivíduos com alta demanda - como, por
exemplo, atleta de esportes de arremesso - o tratamento cirúrgico pode ser indicado. A cirurgia também é recomendável
àqueles que sofrem casos recorrentes de luxação ou subluxação, sem melhora com o tratamento conservador.
Existem diversos tipos de cirurgia para o tratamento da luxação recidivante de ombro. Para a maioria dos casos,
o tratamento pode ser realizado por via artroscópica. Nesse procedimento, é realizado o reparo do lábio (tecido
avulsionado ou mal cicatrizado após as luxações) e a capsuloplastia (retensionamento da cápsula articular e dos
ligamentos glenoumerais), através de âncoras. Com a reinserção, é possível a cicatrização dos ligamentos e do
labrum em uma boa posição, apresentando um alto índice de sucesso.


Em indivíduos com consideráveis lesões ósseas da glenóide (acima de 20%), o tratamento através do reparo
labral por artroscopia não apresenta uma taxa de sucesso satisfatória, com um grande número de falhas. Nesses casos,
é mais recomendada a cirurgia que chamamos de bloqueio ósseo. Conhecida como cirurgia de Latarjet, o osso chamado de
coracóide, localizado próximo à articulação do ombro, é movido e fixado na borda da glenóide (local em que houve
lesão óssea), aumentando a área óssea e tensionando de modo dinâmico um dos músculos do manguito rotador (subescapular).
Há ainda outros métodos que podem ser realizados para o tratamento da luxação recidivante, tais como o procedimento
de Remplissage - para lesão de Hill-Sachs e a capsuloplastia, recomendada para instabilidade multidirecional.
